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A banalização da Confissão

Atualizado: 24 de mar. de 2021

Tomás Giacopini

Núria R. Giacopini

Campinas, SP - 2019


Se olharmos, com sinceridade, para nossa própria vida e história diante de Deus, não é preciso refletir muito para chegarmos à conclusão de que não há nada pior que possa ter acontecido do que o pecado. Todos os estragos e feridas que trazemos conosco são frutos dos pecados que cometemos e dos pecados que cometeram conosco. Não é preciso refletir muito para perceber que o grande mal do Homem, o “mal do século”, o cerne de todos os horrores e perversidades que cometemos e vamos cometer, com todas as suas consequências, não tem seu fundamento numa estrutura social ou política, numa ideologia e muito menos em uma condição econômica. Todo o mal vem do coração do Homem, que peca.

“Ouvi-me todos e entendei. Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa manchar; mas o que sai do homem, isso é que mancha o homem. (...) Porque é do interior do homem que procedem os maus pensamentos. ” - (Mc 7, 15;21)

De fato, o pecado não é “apenas” uma ofensa a Deus, encerrando-se nisto. Como se romper ou ferir nossa amizade com Deus (sendo isto o pecado!) não fosse o bastante, também traz consequências para a nossa vida e para a vida dos outros. Enfraquece nosso ser, tornando-nos mais “viciados” e propensos a cometer o mal (seja em qualquer escala) e, de alguma forma, fere a vida dos outros. Um exemplo simples: um jovem que deveria ter estudado durante a tarde mas ficou “enrolando”, cedendo à preguiça e às distrações, no final desta tarde ficará irritadiço por não ter feito aquilo que deveria. Essa irritação o fará responder mal à sua mãe que lhe pede um favor ou quando alguém o interroga sobre alguma coisa, causando tristeza. E poderia ter sido diferente: se tivesse acabado bem seu dever, estaria feliz. Se alguém viesse lhe pedir algo, transpareceria essa felicidade e talvez atendesse de boa vontade, alegrando e iluminando também a vida dessa pessoa. No fim, o mal traz mais mal e o bem, mais bem.

Mas Deus, como bom Pai, não nos abandona. E nosso amado Cristo, ao se fazer Homem, veio redimir todas as realidades humanas, principalmente o pecado. Da Cruz, de Sua entrega na Cruz, brotaram os Sacramentos da Igreja.

O pecado, como grave realidade natural e sobrenatural, necessitou que o perdão fosse elevado à realidade sobrenatural. Cristo instituiu, então, o sacramento da Penitência. Mais chamado de Sacramento da Confissão, devido à acusação dos próprios pecados que é feita [1], o Sacramento da Penitência, segundo o Catecismo da Igreja Católica (CIC):

Este sacramento reconcilia-nos com a Igreja. O pecado abala ou rompe a comunhão fraterna. O sacramento da Penitência repara-a ou restaura-a. Nesse sentido, não se limita apenas a curar aquele que é restabelecido na comunhão eclesial, mas também exerce um efeito vivificante sobre a vida da Igreja que sofreu com o pecado de um dos seus membros. Restabelecido ou confirmado na comunhão dos santos, o pecador é fortalecido pela permuta de bens espirituais entre todos os membros vivos do corpo de Cristo, quer vivam ainda em estado de peregrinos, quer já tenham atingido a pátria celeste:
«É de lembrar que a reconciliação com Deus tem como consequência, por assim dizer, outras reconciliações, que trarão remédio a outras rupturas produzidas pelo pecado: o penitente perdoado reconcilia-se consigo mesmo no mais profundo do seu ser, onde recupera a própria verdade interior: reconcilia-se com os irmãos, que de algum modo ofendeu e magoou: reconcilia-se com a Igreja; reconcilia-se com toda a criação». (CIC 1469)

O Sacramento da Confissão, por força própria, perdoa os pecados confessados (e até os esquecidos de se confessar!) e produz frutos como “a paz e a tranquilidade da consciência, acompanhadas duma grande consolação espiritual” (CIC 1468). Suas graças especiais fortalecem-nos contra as tentações e criam resistências da alma ao pecado. Vale lembrar que a Confissão é, assim como todos os sacramentos, uma “conquista” pelos méritos de Cristo. Por sua Paixão e Morte, os sacramentos brotam do lado aberto pela lança, do sangue e da água.

Ao confessarmos pecados mortais, o Sacramento da Penitência cancela nosso castigo eterno e, mesmo que não tenhamos pecados mortais, a Confissão de pecados veniais aumenta em nós a graça santificante, ao mesmo tempo curando-nos e fortalecendo-nos contra o pecado [2]. No entanto, para que o Sacramento da Penitência seja válido se faz necessário o arrependimento do pecado cometido.

De acordo com São João Paulo II, a contrição é essencial para a Penitência:

[...] a contrição é, pois, o princípio e a alma da conversão, daquela metanóia evangélica que reconduz o homem a Deus, como o filho pródigo que volta ao pai, e que tem no Sacramento da Penitência o seu sinal visível [...].
[...] contrição e conversão são, sobretudo, uma aproximação da santidade de Deus, um reencontro da própria verdade interior, obscurecida e transtornada pelo pecado, um libertar-se no mais profundo de si próprio e, por isso, um reconquistar a alegria perdida, a alegria de ser salvado, que a maioria dos homens do nosso tempo já não sabe saborear. [1]

Para uma boa Confissão, além da intenção de não mais pecar, é preciso ter o coração disposto. Cultivar algumas disposições interiores tornará nossa confissão mais frutuosa, pois permitirá que a Graça penetre mais profundamente em nosso ser e nos transforme [2]. Isso não quer dizer que se não cultivarmos essas disposições, o sacramento terá sido inválido. Como já mencionado, o Sacramento possui força própria. Para quem confessa em reta intenção, ele terá seus efeitos. Cultivar a disposição interior é uma forma de colaborarmos mais com a Graça de Deus, para que tenhamos, de certa forma, um “acréscimo de graças”, santificando-nos mais.

E o que seriam essas disposições? São movimentos vindos do nosso desejo de conversão. Vem da dor por nossos pecados, pelo arrependimento. Pela dor de ter ofendido alguém que muito amamos, e que por isso estamos dispostos a renunciar tudo em nossa vida e abraçar as consequências. As disposições mais profundas em nosso coração vêm de um Amor sincero e verdadeiro a Deus. E tudo isso nos dispõe para que a Graça possa trabalhar mais profundamente em nós.

Dor. Dor de amor. Dor verdadeira. Amor verdadeiro. É o que sentiu Pedro, depois de ter negado a Cristo três vezes. O olhar que Cristo lhe dirigiu transpassou sua alma e Pedro, caindo em si, chorou.

É o que talvez tenha feito São Francisco chorar amargurado dentro de uma Igreja, e exclamar: “O Amor não é amado!”

Essa é a realidade maravilhosa que acompanha todo cristão que se confessa. Porém é comum também vermos e ouvirmos sobre um certo “fenômeno” na Igreja: aquelas pessoas que pecam e se confessam, mas depois tornam a pecar, pois, afinal, “é só se confessar novamente”! Usam a Confissão como uma muleta para seus pecados, como se fossem a um lugar e retirassem um bilhete no balcão que dissesse: “passe livre para pecar”. Ou recebessem um carimbo de “pago” em um boleto. Pronto, agora está tudo bem. Talvez, no fundo, digam em suas consciências: “me confessei, agora posso pecar de novo”. Ou, muito provavelmente, no momento em que a carne grita e a tentação se apresenta, pensam: “vou me entregar a isso, afinal há uma saída: a Confissão”. Há sempre o gatilho mental da “Confissão”: uma saída para corrigirem o erro que virão a cometer, uma saída para poderem se entregar aos seus desejos.

Verifica-se aqui a banalização do Sacramento da Confissão. Na Língua Portuguesa, banalização significa: “Tornar (-se) banal; mediocrizar (-se), vulgarizar (-se)”; banal, por sua vez é aquilo “que é comum, sem originalidade; corriqueiro, trivial, vulgar”. Banalizar a Confissão seria não enxergar nela a misericórdia de Deus. Banalizar a Confissão seria debochar da face de Cristo. Que grande tristeza para o Sagrado Coração daquele que nos salvou!

Não podemos, portanto, perder a dimensão da sacralidade deste Sacramento - o que seria até um pleonasmo se não fosse a banalização que tem sofrido.

Não podemos cair no orgulho de considerarmo-nos donos de nós mesmos na ocasião de pecado e não fugirmos dela, já contando com a bondade e a misericórdia do Senhor.

Certamente Deus é bom, misericordioso e fiel, e nos perdoará. Mas será que não nos falta a audácia de São Francisco de Assis para, ao invés de pecar conscientemente contando com misericórdia, nos joguemos nos espinhos e evitemos o pecado? “Sede santos, porque eu sou santo” (Lv 11, 45), afinal “aos mornos Deus vomitará” (cf. Ap 3, 15-16). Tudo ou nada.

Para não perder a dimensão da sacralidade da Confissão, reflitamos nestes eloquentes avisos que grandes santos da Igreja deixaram para nós:

“O Senhor é bom; mas também é justo. Não queiramos considerar unicamente uma das faces de Deus. ” - (São Basílio Magno)
“Depois do pecado tenha esperança na divina misericórdia; antes do pecado tema a justiça divina. ” - (Santo Agostinho)
"A misericórdia foi prometida a quem teme a Deus e não a quem abusa dela." - (Santo Afonso Maria de Ligório)

Imagine um filho que desobedece sua mãe, que não o autorizou a brincar até tarde na rua. Diante do não da mãe, o filho pensou: “ah, é só hoje, amanhã não fico até tarde” ou então “ah, depois peço desculpas para a minha mãe, ela tem o coração mole mesmo”. Claro que a mãe perdoará o filho por sua desobediência, mas também ficará com o coração partido por tal ato, afinal quer o seu bem e nada mais. Imagine agora que essa desobediência se repita por várias vezes. Seria justo que a mãe continuasse a “passar a mão na cabeça” do filho? E o que há por trás disso senão uma mornidão? O que há por trás disso senão a tibieza? E o que há por trás dela senão um amor que esfriou, se tornou pequeno?

Para que possamos aprender com a Virgem Maria a amar cada vez mais a Nosso Senhor e escolhermos sempre por Ele e, assim, evitarmos o pecado e realizarmos confissões frutuosas, peçamos, como São Pio de Pietrelcina, à Nossa Mãe:Nossa Senhora, infunde em mim o mesmo amor que arde em teu coração por Jesus”​.


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. SÃO JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Reconciliatio et Paenitentia. Roma, 1984.

  2. TRESE, Leo. A fé explicada. 14. Ed. São Paulo: Quadrante, 2015.

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