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Processo: as quedas e a luta

Atualizado: 24 de mar. de 2021

João Vítor Peres Alvarenga

Campinas, 2020


“Estando ele a caminhar junto ao mar da Galileia, viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, que lançavam a rede ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes: ‘Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens’. Eles, deixando imediatamente as redes, o seguiram. Continuando a caminhar, viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, no barco com o pai Zebedeu, a consertar as redes. E os chamou. Eles, deixando imediatamente o barco e o pai, o seguiram.” (Mt 4, 18-22)

--Nesta narrativa de São Mateus, o que o texto nos propõe parece ser estranho, chega a incomodar e até foge à compreensão humana. Pensar que estes quatro homens, ao serem chamados em meio aos seus serviços, largaram tudo naquele mesmo instante e começaram a seguir Jesus.

--Em uma homilia dominical proferida pelo Padre Paulo Ricardo, sobre o evangelho do dia 26 de Janeiro de 2020, o padre nos leva a debruçarmo-nos sobre os comentários de Santo Tomás de Aquino acerca dos escritos de São Mateus: o trecho bíblico citado no início deste artigo quer nos ater ao processo pelo qual estes discípulos passaram para tomar esta radical decisão [1].

--De maneira alguma pensemos que pode não ter acontecido como narram as Sagradas Escrituras! Estes homens de fato largaram tudo imediatamente para seguir a Cristo. Porém, Santo Tomás quer nos mostrar que houve um processo pelo qual passaram e ao qual, todos nós cristãos, somos chamados a passar.

--Portanto, refletiremos sobre este processo em três passos para podermos nos encontrar em cada um deles e a partir disso conseguirmos alcançar nosso fim último, que é a Vida Eterna – como explicado no artigo “O fim da existência do homem”, também produzido pela nossa equipe [2].

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--1° Passo: Abandonar os pecados mortais e aproximar-se de Cristo

--Um passo dificílimo, porém, importantíssimo. Os pecados mortais se tratam dos pecados que nos afastam de Deus, que rompem nossa relação com Ele. Segundo o Catecismo da Igreja Católica (CIC):

“Morrer em pecado mortal sem ter-se arrependido dele e sem acolher o amor misericordioso de Deus significa ficar separado do Todo-Poderoso para sempre” (CIC 1033).

--Logo, quanto antes reconhecermos os pecados graves que cometemos, antes teremos livre e maior acesso para aproximarmo-nos deste Cristo, o Deus Filho, que nos espera.

--Cabe dizer que os apóstolos não deixaram tudo para seguirem um estranho que os chamava, afinal, de algum modo, já conheciam um pouco desse Jesus Cristo, pois suas pregações eram famosas, seus passos conhecidos, seus milagres vistos [1]. Assim como os apóstolos, também é necessário que nós nos aproximemos de Jesus e conheçamos Sua vida e podemos fazer isso através das próprias Escrituras, de pregações, dos sacramentos ministrados pela Igreja e tantos outros atos que podem e irão nos aproximar deste Cristo.

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--2° Passo: Apaixonar-se pelo Cristo

--Nós temos conhecimento de todos estes fatos que são narrados nas Escrituras, temos acesso a pregações, temos os sacramentos ministrados pela Igreja e tantos outros atos e decisões que podem e irão nos aproximar deste Cristo.

--No passo anterior somos chamados a conhecê-Lo. Se o fizermos bem, não será possível passarmos por tal relação sem nos fascinarmos, sem admirarmos, sem amarmos Aquele que veio se derramar por inteiro por cada um de nós, como anuncia o profeta Isaías sobre a Paixão de Nosso Senhor:

“...não tinha beleza nem esplendor que pudesse atrair nosso olhar, nem formosura capaz de nos deleitar. Era desprezado e abandonado pelos homens, homem sujeito à dor, familiarizado com o sofrimento, como a pessoa de quem todos escondem o rosto; desprezado, não fazíamos caso nenhum dele. E, no entanto, eram nossos sofrimentos que ele levava sobre si, nossas dores que ele carregava. Mas nós o tínhamos como vítima do castigo, ferido por Deus e humilhado. Mas ele foi trespassado por causa das nossas transgressões, esmagado por causa das nossas iniquidades. O castigo que havia de trazer-nos a paz, caiu sobre ele, sim, por suas feridas fomos curados.” (Is 53, 2-5)

--Não nos permitamos permanecer indiferentes a um Deus que nos ama a ponto de sofrer tudo que sofreu por cada um de nós, entregando Sua vida, derramando Seu sangue, por nossa salvação.

--Para nos apaixonarmos, necessitamos do desprendimento de nós mesmos. Como deixarei tudo para segui-Lo se ainda tenho tanto apreço pelo que teria que deixar? Se ainda estamos presos em nossas paixões, haverá espaço para amar a Deus com toda a nossa vida?

--Devemos amar a Deus com tudo que somos! Mas por acaso sabemos quem somos ou isto ainda é um segredo que nem nós mesmos desvendamos? Então, o autoconhecimento e o desprezo de tudo aquilo que nos une ao mundo e nos afasta do Deus altíssimo é extremamente necessário.

--Precisamos saber quem somos para compreender como amar, saber os nossos limites para compreender aonde podemos ir sem nos machucarmos, saber dos tantos processos que temos que passar para sermos como cristais puros para que o Senhor nos lapide quanto à nossa impureza, ciúme, inveja, preguiça, avareza, desejos, desobediências, ódio, maledicências, etc. Tudo isto, porém, necessita de um tempo que devemos nos dar para que enxerguemos e trabalhemos em cada um de nossos defeitos junto a Deus, para que assim estejamos livres e sem barreiras a este amor.

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--3° Passo: Como cristãos, sermos Cristo

--Após termos abandonado nossos pecados graves que nos afastam de Deus, termos nos dedicado em conhecer esse Jesus Cristo, o Deus Filho que deu Sua vida por nós e, nessa aproximação, nos apaixonarmos por este Cristo que é o Amor encarnado, resta-nos agora entregarmo-nos por inteiro a Ele [1].

--Sim, é isto que nos é proposto pela Santa Igreja e é realmente este o significado de sermos cristãos [1]. “O meu desejo é partir e ir estar com Cristo”, como disse São Paulo (Fl 1,23); com este desejo podemos transformar até mesmo nossa morte terrena ou a morte de nossos desejos e vontades, em um ato de obediência e amor ao Pai, a exemplo de Cristo (CIC 1011).

--Experimentado tal fascínio pelo Amor de Deus através de Seu filho, nos dediquemos a amadurecer neste Amor para estabelecermos uma relação única e verdadeira com nosso Deus, como um Pai que finalmente pode dizer que conhece seu Filho. E, como nos apaixonamos uns pelos outros, não seria diferente numa relação com um Deus que derrama seu Amor e suas graças infinitamente por nós. Logo só nos restará entregar nossa própria vida sucumbindo nossas vontades para realizar as vontades do Pai, que se fez Filho e morreu por nós [1].

--Contudo, este mesmo Deus de infinita bondade nos deu a livre escolha – e é aí onde mora o perigo deste terceiro passo. Ao entendermos a que somos chamados, que é a derramar também a nossa vida por Deus e pela Igreja, temos que escolher livremente entre duas opções: ou decidimo-nos retamente a cumprir esta missão ou penamos na procrastinação de nossas próprias vidas, tardando esta decisão ou optando por não a cumprir [1]. Devemos nos dar a chance de experimentar este belo Amor, fazer as renúncias necessárias, nos aproximarmos e amarmos um Deus que tanto nos ama e devolvermos com as nossas vidas este infinito Amor para que também vençamos a morte ao final deste processo, como o próprio Cristo venceu.

--Cabe salientar que nossa decisão total por Deus não será como um passe de mágica, a partir do qual viveremos de modo perfeito até a eternidade. Não! Certamente após nossa "grande decisão" passaremos por muitas quedas no caminho e teremos até vontade de desistir de tudo. O essencial em tudo isso é nunca desistir. Após as quedas e desânimos, devemos levantar-nos quantas vezes forem necessárias, afinal, como diria nosso grande amigo São João Paulo II: "santo é um pecador que nunca desiste".

--Em resumo, Santa Catarina de Gênova nos recorda que “Para chegar à união com Deus são necessárias as dificuldades mandadas por ele. Por meio delas, ele espera destruir em nós as paixões internas e externas. Por isso, todos os desprezos, as doenças, as pobrezas, as tentações, as dificuldades, tudo é necessário.” [3]

--Portanto, com convicção, busquemos vencer a grande batalha que nos é proposta todos os dias. Pois se “sabe que o tempo é incerto, a conta rigorosa, a perdição muito fácil, e a salvação bem difícil... E assim a alma, sobretudo, por sentir a Deus muito afastado e escondido, em razão de ela ter querido esquecer-se dele no meio das criaturas, tocada agora de pavor e de íntima dor no coração à vista de tanta perdição e perigo, renuncia a todas as coisas; dá de mão a todo negócio; e sem dilatar mais um dia nem hora, com ânsia e gemido a brotar-lhe do coração já ferido pelo amor de Deus, começa a invocar seu Amado”. [4]


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Padre Paulo Ricardo. Nada faz sentido sem Cristo. Homilia Dominical. 2020. Disponível em: <https://padrepauloricardo.org/episodios/nada-faz-sentido-sem-cristo >. Acesso em 29 mar. 2020.

  2. Silva, J.; Silva, B. F. O fim da existência do homem. Missão Acampamento Juvenil de Campinas. 2019. Disponível em: <https://acampamentojc.com.br/o-fim-da-existencia-do-homem/>. Acesso em 31 mar. 2020

  3. São João da Cruz. Obras Completas de São João da Cruz / Anotação do Cântico Espiritual. Parágrafo 1. Páginas 593-594. 7ª ed. São Paulo: Vozes.

  4. Aquino, Felipe Rinaldo Queiroz de, 1949. Ensinamentos dos Santos. Felipe Rinaldo Queiroz de Aquino (org.) – 5ª ed. Lorena: Cléofas. 2018.

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